quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A patética carta da destrambelhada


A solidão do poder

Recebi uma carta-desabafo da governadora Yeda Crusius e vou, confiando na tolerância da remetente, cometer a inconfidência de publicá-la: não achei justo que os leitores fossem privados dessas reflexões da nossa governante:

“Querido Paulo Sant’Ana. Bom dia!

E que lindo dia, o primeiro sem horário de verão deste ano.

Amo o horário de verão, o dia mais longo, a noite mais curta, o calor.

Amo tanta coisa...

Acordei com a garganta meio ‘pegada’, o corpo me indicando que ainda não consegui ‘pegar leve’.

Esta será uma mensagem para eu não adiar mais o que queria: te contar coisas escrevendo à mão, como é do meu tempo, o tempo do respeito, do selo na carta, do envelope chegando pelas mãos do carteiro, tão aguardado envelope, tão especial mensagem, tão pessoal ‘tua letra’, às vezes com um pingo de perfume lá em cima, na data, ou mesmo uma folha de alguma árvore ou flor da estação... Pessoal, como é esta mensagem, entenda.

Não tenho conseguido esse tempo. Então não vou mais adiar.

Como você tem acompanhado, não me permitem esse tempo.

Quando me perguntam ‘como você aguenta’ respondo de dentro do coração. Pois quando tomei em 2005 a decisão de buscar governar o Rio Grande foi porque havia:

uma ideia

um projeto

um grupo de pessoas afinadas

um Estado

um povo

uma política

uma boa política no tempo das tão más políticas.

A ideia continua viva, muito viva. O grupo de pessoas desafinou, desmanchou, quem sabe pelo tamanho do empreendimento e a dedicação absolutamente total e integral que exigia o projeto. Como você tanto acompanha, o projeto tem cara sim, é bonito, coletivo, construtivo, respeitoso, doador. O Estado é o nosso, esse Rio Grande que não se definiu logo ao nascer, se platino, se brasileiro, diferente. O povo é esse povo que amo, meio caudilha que sou, e a quem pude somar filhos e netos, infelizmente esses que terão que ver os cartazes dantescos de sua vó pregados em cada tapume onde fiquem pessoas paradas esperando ônibus. Como tiveram que ver meus filhos nos tempos da faculdade porque a mãe decidiu ir para a tribuna fazer política como ‘uma ingênua tucana’ que queria fazer a política da igualdade (a da bandeira, a do gênero) em Porto Alegre. Nos cartazes pregados nas paredes internas da UFRGS estava a foto e ‘traidora do povo’. Eles, meus filhos, se foram em agosto de 1996, viver em outras terras sem essa cultura que crescia por aqui, e que tanto prejudicou o Rio Grande.

Eu fiquei. Por uma ideia. Por uma intensa necessidade de comunicação, pela vida como ela é para cada um, por fazer política, que é bom fazer quando se tem ética, responsabilidade, sem medo da mudança, de estar à frente do batalhão, porque confio em cada dia, e vivo sem ficar na janela vendo a banda passar esperando a sorte, esperando a morte... como diz a música.

No giro pelo Brasil duas coisas me deixaram feliz: primeiro com o orgulho dos outros brasileiros porque o Rio Grande saiu das manchetes nacionais negativas, e a governadora, que eles conhecem antes de ser governadora, estar sorrindo, mostrando que o Estado já paga suas contas em dia, que deu a virada na situação que contradizia com o Rio Grande histórico e presente que eles conhecem. Segundo, porque a honestidade da Yeda que eles conhecem foi provada, olhado documento por documento, rastreado cheque por cheque, a casa é limpa!

Depois, uma dificuldade que se repete pois todos me perguntaram: por que tudo isso? Por que te batem tanto, ao ponto do massacre? Dificuldade para eu responder porque não é de meu feitio falar dos outros, mesmo que mereçam. Humanidade (a da bandeira) é coletiva mas também individual. Lembro-me da tua pergunta naquele Jornal do Almoço que, com tua sensibilidade, perguntavas o que era central: por que a senhora não fala deste ou daquele secretário? E eu te respondi: “São pessoas caídas, Paulo, pessoas caídas”. E quanta coisa já se fez, quanta vida já se viveu!

Só que até este momento, mesmo com o alucinante caráter deste nosso governo, vivi o que dois filmes retratam. A arte consegue dizer em duas horas o que uma vida inteira custou para criar. Sei que não temos tempo de ver filmes, tudo hoje na vida é VT, não filme, rápido, desmanchando no ar. Então te falo deles na esperança de que você os tenha visto quando passaram nos cinemas.

O primeiro é A Letra Escarlate. A mulher de que trata o filme teve que desfilar com a marca ‘A’ de adúltera pela aldeia onde vivia, porque se casou de novo, pois havia ficado ‘viúva’ até o marido aparecer de novo da floresta, depois de praticar maldades inomináveis. Ela desfilou, chorou, perdeu, com a infinita paciência que tem a mulher para entender como o ‘homem’ da nossa civilização age quando se trata de posse, poder e sexo. Ao final, tudo se esclareceu. E ela não estava amarga, não havia feito nada que considerasse errado durante todo aquele período de provação, e viveram na mesma aldeia depois do pedido de desculpas público, da restauração, do líder da mesma.

Considero a coletiva do Dr. Mauro Renner quando provou a idoneidade da casa como o ‘The End’ do meu filme. Pude tirar o colar da Letra Escarlate. E continuar governando o Rio Grande, eleita que fui para honrar compromissos e fazer a roda virar para a frente. O povo sentiu-se aliviado, a sombra carregada da dúvida, para os que seguem a política, foi afastada. Brilhou o sol de novo, a alegria podia ser mostrada à luz do dia. Este o 2008, o ano que terminou com Déficit Zero e a honestidade provada da governadora.

O segundo filme é mais recente O Escafandro e a Borboleta. Raras vezes me permito chorar no cinema. Mas nesse filme o fiz por muitas vezes. Pois é ele que me referencia durante esse período de governo, desde a famigerada Operação Rodin aos 10 meses de governo e uma derrota inacreditável na Assembleia do projeto de restauração do Estado, por todas as razões que não interessa aqui descrever mas que tem a ver com a tua pergunta naquele Jornal do Almoço. Eu fiquei no escafandro. De certa forma, estarei nele até que possa ter o produto final por aquela terapeuta e seu método de escrever o livro ditado pelo único pedaço do homem no escafandro que se movia: o olho.

E quando estiver escrito, poderei voar como a borboleta.

Arrisco que muito não seja percebido desta longa mensagem, Paulo. Se os filmes foram vistos então sim, muito será entendido. Mas não desisto, não vou entregar prus ôme de jeito nenhum, amigo e cumpanhêro.

E para te dizer da minha admiração, da minha companhia através das tuas colunas (TV não vejo mais e rádio também não ouço, foi demais nesse período, um pouco de proteção criei), sempre, do meu amor pela vida que te inclui de modo afirmativo e de tanto tempo. Nunca dou de ombros. Só entenda o escafandro. Não me deram nenhuma folga até hoje. Esta é da decisão de escrever, é num lindo domingo, uma mensagem pessoal – entenda, não deve ser pública.

E para te presentear com o que não aconteceu, vou te remeter o Manifesto da Marca do Governo Yeda. Não é nem será público. Por isso, vai com selo. Creio que o Luciano do GAD é um dos que, como a fisioterapeuta do livro, entendeu. Mas por enquanto não há condições de mérito para eu dar esse upgrade nem ao meu governo nem ao Rio Grande que não quer ser sacudido a cada dia com uma ‘crise de governo’.

Algum dia mais adiante sim.

Um braço muito afetuoso
(ass.) Yeda Crusius, governadora do Estado”.

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