quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

e a inevitável resposta


A SOLIDÃO DA SALA DE AULA

Juremir Machado da Silva - Correio do Povo

Prezado jornalista: meu nome é Claudete. Sou professora. Tomei conhecimento, graças a uma amiga, da carta da governadora publicada na imprensa. Confesso que chorei muito. Como é triste a solidão do poder! Eu até me lembrei de uma situação que vivi lá por outubro. Eu entrei no banheiro da escola e encontrei uma faxineira aos prantos. Tentei consolar a pobre. Ela me mostrou o contracheque dela. Comecei a chorar também. Mostrei o meu. Caímos abraçadas sobre um vaso e choramos como duas terneiras desmamadas (sou da Região da Campanha). Ficamos ali, na solidão do banheiro, sentindo cheiro de xixi e de água sanitária. Eu me sentia meio heroína de novela das 8h ou de romance do Paulo Coelho: na tampa da privada, solitárias, nós nos sentamos e choramos. Que tristeza!
Fiquei com pena da governadora. Deve ser terrível a solidão num palácio. Na sala de aula, eu também me sentia muito solitária, embora, depois da 'enturmação', tivesse mais aluno que passageiro no Surb no final da tarde. Comecei a pensar num livro maravilhoso da Clarice Lispector, 'A Hora da Estrela', e, sem refletir, fui até a biblioteca da escola pegar um exemplar. Que cabeça a minha! A escola não tem biblioteca. Saí aturdida e tropecei num gari ainda mais solitário do que eu. Era um gari especial, muito culto, que me contou, sem mais nem menos, as suas leituras. Andava lendo os 'Doze Trabalhos de Hércules'. Era fanático por um desses trabalhos, quando Hércules limpou sozinho, num dia, os currais de Áugias, que não eram limpos havia 30 anos e, com seus 3 mil bois, fediam como Copacabana depois do show dos Rolling Stones (fui de ônibus para o Rio de Janeiro). O gari se via no lugar de Hércules e tinha a sua filosofia na ponta da língua: a população se comporta como os bois de Áugias. O pobre sentia-se tão solitário na sua labuta.
Nada, bem entendido, que possa ser comparado à solidão de uma governadora no exercício do poder. A carta da governadora abriu um clarão na minha mente. Percebi o quanto tenho sido mesquinha e pessimista. Decidi mudar o curso da minha existência. Não vou ler mais autores cínicos como Michel Houellebecq. Nem a sua coluna, senhor jornalista. De agora em diante, serei construtiva e positiva. A minha solidão pode ser enorme, mas os meus ombros não precisam suportar a terrível carga da responsabilidade de um governante. Já imaginaram ter de conviver com tantos políticos hipócritas e, se o senador Jarbas Vasconcelos não estiver mentindo, com tantos peemedebistas em busca de cargos e com tantos petistas oportunistas!? Ainda bem que no Rio Grande do Sul tudo é diferente e até nossa corrupção é acidente de percurso. 
Enfim, como mulher, fiquei emocionada, tocada mesmo, sensibilizada, né?, com a autenticidade da governadora. Quanto sofrimento! Quanta melancolia! Que solidão! Até parecia García Márquez, não com cem, mas dois anos de solidão que valem quase o mesmo, faltando ainda quase dois de governo, sem contar mais quatro anos de solidão se a reeleição vier. A solidão do poder é tamanha que gera dependência, e os governantes aceitam sacrificar-se por um segundo mandato, sonhando com um terceiro. Depois da carta da governadora, juro, só vou ler 'O Pequeno Príncipe' e 'Fernão Capelo Gaivota'. Afinal, 'longe é um lugar que não existe'. Só existe a solidão do poder.

juremir@correiodopovo.com.br

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