quinta-feira, 13 de novembro de 2008

e aqui um texto da eleita



Diário Popular - Pelotas - Edição do dia 8/12/2006

Artigo:

Era um sábado, primeira hora da tarde, o sol escaldava e na fila do serviço de lava-carros as pessoas esperavam. A minha frente, um senhor monitorava, ao lado do lavador, os locais ainda sujos e não demorou muito para vir falar comigo. Pareceu-me, no primeiro momento, um exímio conhecedor da história do Rio Grande do Sul. À medida que o assunto evoluía e os meus conhecimentos não coincidiam com os seus ele falava: “Vai estudar menina.” Eu apenas ouvia; curiosa, atenta, o conhecimento de alguém com idade para ser meu avô.

Em determinado momento, a conversa recaiu sobre Pelotas e não me lembro por qual viés estreitou-se às instituições carentes. Foi então, que o aparente historiador me disse: “-Ah! Aquela magrinha, por exemplo, da tal instituição, enriqueceu às custas dos pobres e por eles foi colocada na Câmara de Vereadores.” Confesso que, surpresa, calei e resolvi escutar. Espantei-me com a convicção com que ele descrevia, equivocadamente, essa senhora, vereadora e minha avó. Ouvi-o ainda comentar que ninguém cuida de criança pobre se não for para ganhar uma boa “recompensa”. “Tu farias isso? Pois eu não, se não fosse bem pago, nunca!” A partir disso, admito não me lembrar de mais nada do que era a mim dito. Afinal, não me interessava o conhecimento de um homem que tudo sabe sobre a formação rio-grandense e desconhece o que ocorre na esquina da sua cidade.

Eu fiquei a me lembrar da senhora essa, magrinha. Pensei que gostaria mesmo que ela tivesse enriquecido, não às custas de alguém, mas pelo tanto que ela sempre fez pelos outros. A imagem de minha avó me ensinando os movimentos da Terra com duas laranjas me veio à mente. Lembrei tudo o que aprendi e aprendo com ela até hoje. A ética que ela passa com suas ações e a sua dignidade. O respeito que ela tem para com os outros e a incapacidade, que eu só encontro nela, de julgar alguém por sua cor, posição social ou religião que professa.

Resolvi que não falaria nada. Julguei inútil e desnecessário mostrar àquele senhor, cheio da sua descartável verdade, tudo o que conheço dessa “tal senhora” formulada, erroneamente, a partir de seus “amplos” conhecimentos. Sei somente, que minha avó desenvolveu um trabalho social durante anos e depositou, boa parte da sua vida, na instituição referida sem interesse financeiro algum. Através da sua competência e dedicação foi eleita para a Câmara de Vereadores e desenvolve, agora, um excelente trabalho frente a uma grande secretaria da cidade. Voltada ao social, como não poderia ser diferente.
Chegara a minha vez, vidros fechados e a água a escorrer retirando a poeira do carro. Espantei-me com a facilidade que as pessoas podem ter de julgar sem conhecer, de idealizar, de acordo com o que convém, uma imagem negativa, não se certificar da sua veracidade e sair a construí-la com os tijolos da burrice. Certamente, este nosso grande sabedor nunca viu esta senhora, de 80 anos, na parada de ônibus, logo cedo, embarcando e pagando a sua passagem (todas as pessoas que podem pagar deveriam fazê-lo, como ela mesma justifica) diariamente rumo ao trabalho. Pode-se mesmo dizer que ela enriqueceu?

É possível construir e destruir uma imagem em instantes. Pois agora ia, no seu Fiesta vermelho e lustroso, um ex-sábio e historiador. Dirigia o seu carro, dono de si, alguém submerso, por opção, na ignorância. Certamente, ele poderia me dar uma excelente aula de história. Eu, no entanto, com o meu conhecimento de “menina que não estuda”, poderia lhe dizer que é muito triste ver alguém que enxerga optar pela escuridão. E que este tipo de alienação, antes de qualquer coisa, é responsável por anular e desmerecer os mais sábios acadêmicos.

Melanie Nunes Fronckowiak
Estudante

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