terça-feira, 8 de julho de 2008

Teleafônica mata a internet espiatória cujo corpo jaz inerte no chão do coração da Xuxa


Circo da Notícia

APAGÃO DA TELEFÔNICA
Por que parou? Parou por quê?

Por Carlos Brickmann em 8/7/2008 Observatório da imprensa

A Telefónica de España, mamute internacional das telecomunicações, deixou seu sistema de internet de banda larga fora de operação por mais de 24 horas. O estado de São Paulo praticamente parou. Motivo da parada: um problema raro e complexo, na definição do presidente da filial brasileira da empresa. Qual problema? Até o momento em que esta coluna era escrita, 48 horas depois do apagão, não se sabe.

Mas isso já passou. Como evitar que outros problemas desse tipo prejudiquem seu trabalho? A maior concorrente da empresa espanhola é a NET, com forte presença mexicana. Como funciona a NET? Bella Zilbovicius, assídua leitora desta coluna, conta como é: em novembro último, fechou com a NET um plano completo, com vários pontos, praticamente todos os canais, internet com banda larga e telefone. Como brinde, a NET lhe deu um canal de futebol aberto (ela nem notou: não acompanha futebol). Mas o brinde, diziam as letras pequenas, só valia por um mês: de lá para cá, vinha sendo cobrado, e bem cobrado.

Telefonou para a NET e aconteceu aquele fenômeno tão conhecido: longa demora para ser atendida, fornecimento de todos os dados cadastrais, mais o endereço da bisavó do vizinho, apenas para que o atendente "possa estar transferindo" sua ligação. O novo atendente pede tudo de novo e transfere mais uma vez a ligação, até que a linha caia.

E aquelas pequenas geringonças que, ligadas ao computador, dão acesso rapidíssimo, em 3G, seja lá isso o que for, à internet? Maria Alice Maluf, jornalista, cansou de ser mal atendida pela Vivo – que, por sinal, é controlada pela Telefónica, que também controla a TIM; já a Claro é ligada à NET (em outras palavras, não há grande alternativa). Decidiu comunicar à Anatel o mau atendimento.

Pois não é que o atendimento da Anatel foi ainda pior? A atendente morreu de rir com o problema e disse que iria "estar transferindo" a ligação para o sr. Milton (sobrenome? Ela diz que não sabe), e o telefone toca até cair a linha. O problema se repetiu por vários e vários dias.

Traduzindo: nós, que vivemos de comunicação, não temos como driblar as falhas de quem deveria cuidar da telecomunicação. Mudam os defeitos, o atendimento é sempre ruim. A propósito, leia direitinho o contrato com as empresas que fornecem banda larga: a velocidade é apenas indicativa. A empresa fornecedora pode, dentro do contrato, fornecer apenas 10 ou 20% do combinado. E você, caro colega, só pode, dentro do contrato, pagar os 100% combinados.

Os números, os números

Os bombeiros estavam sem contato, as delegacias não podiam registrar boletins de ocorrência, boa parte dos bancos nem aceitava pagamentos, todo o estado vivia o tumulto da falta da internet. O presidente da Telefónica, Antônio Carlos Valente, dizia que o problema tinha começado ao meio-dia. E nenhum repórter o contestou. Na verdade, às nove da manhã estava tudo parado e a Telefónica informava que o problema estaria resolvido ao meio-dia. No escritório deste colunista, o último e-mail foi recebido por volta de duas da manhã. Ou seja, o presidente da companhia, sem que ninguém da imprensa reclamasse, transferiu o início do problema para dez horas depois. Assim, quem sabe, poderia informar às autoridades que o problema tinha durado dez horas a menos até ser consertado.

Já os call centers foram ainda mais imprecisos: no início do problema, juravam que em três horas no máximo tudo estaria resolvido.

O dedo no gatilho

Os militares que entregaram três rapazes a traficantes de uma facção inimiga, que os mataram, já estão prestando depoimento. O tenente que comandou a ação chorou muito, disse que não esperava que os traficantes armados fossem matar os rapazes – apenas dar-lhes um susto (espancá-los com a coronha dos rifles, talvez?) É importante julgar esses militares e puni-los de acordo com a lei.

Mas e os traficantes, aqueles que efetivamente torturaram os rapazes, apertaram o gatilho, jogaram os corpos no lixo: quem são eles? Quando serão apontados os primeiros suspeitos? Quem está trabalhando no caso? Os militares contribuíram decisivamente para a tortura e o assassínio, entregando as vítimas aos carrascos. E os carrascos, não serão identificados nem julgados?

A vida como ela é

Uma coisa que chama a atenção na cobertura jornalística desse caso é o tom de aceitação, de "as coisas são assim mesmo". Falta um mínimo de indignação com a ocupação de parte do território nacional por criminosos, sobra a compreensão de que, afinal de contas, esses assassinos são assim mesmo. Os meios de comunicação estão interessadíssimos em eleições municipais, abertura do mercado europeu aos jogadores brasileiros, coisas desse tipo. A submissão de cidadãos brasileiros a criminosos armados, a traficantes e assassinos orgulhosos de sua condição, terá virado um fato da vida – lamentável, mas inevitável?

Lei sob medida

Por falar em telecomunicações e nos fatos da vida, os meios de comunicação dedicam cada vez menos tempo e espaço à fusão entre Oi e Brasil Telecom. É um perigo: a fusão das duas empresas brasileiras de telecomunicações é ilegal, e o governo prometeu que, caso o negócio desse certo, mudaria a lei. Não, não tente contar essa história a alguém que não esteja acostumado aos jeitinhos que caracterizam nossa estrutura legal: ele não acreditará que uma lei possa ser feita apenas para tornar correto um negócio que nasceu errado.

O problema é que, quando a imprensa se descuidar, sairá a nova regulamentação do setor, tornando legal aquilo que era ilegal. Se, com a vigilância dos meios de comunicação, as maracutaias já acontecem, imagine quando estivermos distraídos!

No lugar certo

Uma boa notícia: a jornalista Andréa Brock, que desenvolveu excelente trabalho na assessoria de imprensa da prefeitura de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, acaba de ser nomeada secretária da Comunicação. Normalmente, esse posto é destinado a um publicitário, ou a algum correligionário político do chefe do Executivo. Andréa Brock conseguiu o reconhecimento de jornalistas de todas as tendências. Sua nomeação indica que a Secretaria da Comunicação será um órgão de Estado e ficará fora da campanha eleitoral.

Como...

Está num blog jornalístico, por incrível que pareça. O autor é jornalista, diplomado, talvez até com pós-graduações. Foi lá que surgiu o "bode espiatório". Deve tratar-se de um bode xereta, que vive espiando o que os outros fazem.

...é...

Está no noticiário de uma grande agência internacional, das mais tradicionais, em matéria, aliás, muito bem redigida (com uma só exceção). Segundo o texto, a polícia informou que houve três mortos, "e os corpos jazem imóveis no chão".

...mesmo?

Esta saiu na internet, no portal de um grande veículo de comunicação: "Corpo do padre dos balões teria sido achado".

Bem, não se trata de uma questão de opinião, mas de fato. Foi ou não foi?

E eu com isso?

Conta-se que, quando Benjamin Franklin era embaixador dos Estados Unidos em Paris, o presidente Thomas Jefferson comentou com um amigo que há quase dois anos não recebia notícias dele. E completou: "Se ele não me escrever até o fim do ano, eu escreverei para ele".

Velhos tempos: duzentos anos atrás, ninguém poderia imaginar que as comunicações, um dia, seriam instantâneas. E nos permitiriam saber, online, em tempo real, que Xuxa vai ao casamento da irmã de Luciano Szafir, em Búzios. Ou que a Mulher Melancia, pedalando na ciclovia e usando fio-dental, parou a praia da Barra. Ou que, com a chegada do inverno, as botas saem do armário.

Hoje, com a internet funcionando (embora nem sempre), sabemos quase no mesmo momento que:

** "Com microvestido, Hilary Duff vai às compras em supermercado"
** "Cristiano Ronaldo brinca com bóia infantil na Sardenha"
** "Mick Jagger pega no sono em almoço"
** "Paris Hilton saca bolo de dinheiro para pagar compras"
** "Casal mantém tradição portuguesa de fabricar pênis de cerâmica"

Como se chamará o imóvel onde está instalada esta fábrica?

Os grandes títulos

Uma boa semana: há até um título naquela linguagem de índio de filme americano.

** "Rafael Ilha no ser mais candidato a vereador pelo PTB"

Há outro que tem algo a ver com a Amazônia, embora a relação não fique lá muito clara:

** "Ninguém quer que a Nasa seja internacionalizada, diz Lula sobre a Amazônia"

A área do comportamento também é abordada:

** "Brasileira faz sexo cada vez mais cedo, aponta pesquisa"

Tudo bem: sexo é bom a qualquer hora, mesmo às seis da manhã.

E, confirmando a preferência deste colunista, o grande título obscuro:

** "Dois pulsares na órbita um do outro dão razão a Einstein"

Deve ser verdade: é mais fácil acreditar em Einstein do que entendê-lo.

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