domingo, 4 de maio de 2008

Como fazer matéria nas coxas sobre Jornalismo Literário - é só entrevistar o organizador da coleção sobre Jornalismo Literário


Entrevista - Matinas Suzuki Jr.

“Jornais são para emocionar”

Jornalista que trabalhou na Folha de S. Paulo faz uma lista de motivos para as pessoas jamais deixarem de ler os jornais impressos

Matinas Suzuki Jr. trabalhou por quase duas décadas no jornal Folha de S. Paulo, do qual continua colaborador. No meio editorial, é curador da coleção Jornalismo Literário, da Companhia das Letras, que estreou com Hiroshima (2002), de John Hersey, e acabou de lançar O Livro da Vida – Os Obituários do New York Times. Ex-presidente do portal iG, foi também apresentador do programa de entrevistas Roda Viva, da tevê Cultura, por mais de três anos.

A seguir, Suzuki Jr. faz uma lista de motivos para as pessoas jamais deixarem de ler os jornais impressos.

Gazeta do Povo – Já que a internet, o rádio e a televisão dão conta das hard news, o jornalismo literário seria uma saída possível para a crise na imprensa, o motivo que pode levar as pessoas a ler ou continuar lendo jornais?

Matinas Suzuki Jr. – Eu não assumiria que os veículos eletrônicos e a internet dão conta de todo o espectro que você chama de hard news. Rádio e TV têm limitações de tempo. O noticiário via internet ainda apresenta várias falhas, sobretudo na dificuldade de navegar com uma oferta tão ampla de notícias.

Eu surfo por vários sites de notícias e de jornais diariamente. Mesmo assim, descubro nas páginas da "Folha", do "Estado" e do "Globo" coisas que eu não consegui ver na internet. Eu consigo olhar diariamente a "Folha" inteira - e isso me dá a sensação de que fiquei bem informado; eu não consigo, por exemplo, olhar o site do "New York Times" inteiro, diariamente. Para ler um jornal inteiro na internet, você, por mais paradoxal que seja, vai gastar mais tempo e mais energia, por que a internet é mais caótica, menos organizada. Portanto por mais matérias que eu leia no site do "New York Times", eu encerro a navegação com a sensação de que não consegui me informar inteiramente sobre tudo importante que há ali. Por outro lado, hoje eu posso me dar ao luxo de ler o "New York Times" diariamente, coisa que eu não podia fazer antes da internet. Essa leitura do "Times" está me tomando tempo de alguma outra ativiadade que eu exercia antes.

As pessoas estão deixando de ler jornais (se é que isso é verdade), na minha opinião, não só porque existem fontes de noticiários mais instatâneas e mais baratas hoje em dia. Elas estão deixando de ler jornais por que a vida delas, como um todo, está mudando. Elas estão deixando de ver também televisão aberta. Isso tudo ocorre por que estão mudando seus hábitos muito rapidamente. Achar que a eventual crise dos jornais é só por causa da internet e dos veículos eletrônicos e ter uma visão muito parcial do fenômeno - que vai levar a conclusões não inteiramente verdadeiras.

As pessoas não lêem os jornais apenas para se informar: elas lêem também para se emocionar, para ter um sensação que o mundo tem uma integralidade (difícil de passar pela internet), para concordar ou não com uma opinião, para se divertir, para ter assuntos comuns com os amigos e colegas de trabalho, para firmar um status, para preencher parte da sua rotina, para não se sentirem solitárias... Enfim, as razões que levam uma pessoa a assinar um jornal são muitas e amplas. É difícil que tudo isso seja substituído de uma hora para a outra. Portanto, eu acredito que ainda exista muita oportunidades para os jornais e revistas de papel. E olhe que sou fundador do primeiro jornal com DNA de internet no Brasil, o Último Segundo.

GP - De que forma você explicaria o interesse relativamente novo pelo jornalismo literário no mercado editoral brasileiro? (Lançamentos de livros e das revistas Piauí e Brasileiros são exemplos desse fenômeno.)

Eu acho que parte dos leitores mais informados e das novas gerações que estudam jornalismo estavam e estão cansados dos modelos e das fórmulas exaustivamente repetidas pelos jornais e revistas do mercado. E, no Brasil, existe um grande número de ótimos jornalistas que estavam fora das redações, justamente por não se adaptarem mais à padronização existente. Daí o interesse por um jornalismo com mais refinamento estílisco, seja por meio da leitura dos clássicos no gênero, seja pelo lançamento de novas publicações. Essas publicações mostram que o jornalismo de papel está bem vivo no Brasil. De certa maneira, elas já nasceram "maduras", com um jornalismo de qualidade superior ao que se via rotineiramente no mercado. Eu acho também que há sinais de mudanças na imprensa em geral: a "Época" tem valorizado algumas reportagens com textos mais pessoais e bem trabalhados, os obituários do William Vieira, na "Folha", também têm uma liberdade estilística que foge ao padrão de texto de agência de notícias que é a tônica do jornal.

GP - Três anos atrás, no posfácio de "Radical Chique e o Novo Jornalismo", de Tom Wolfe, o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos cita a ausência total de espaço para o jornalismo literário nos veículos brasileiros. Três das desculpas mais freqüentes para essa falta seriam: "isso não vende jornal", "o leitor não tem mais tempo para ler isso tudo" e "isso é coisa de intelectual, agora o leitor quer tudo mastigadinho". Poderia comentar essa situação? (Algo mudou? O que pensa dos leitores? E como se sente na condição de leitor?)

De certa forma, isso não é um privilégio brasileiro. A grande maioria dos textos que se incluem no que chamamos, com alguma liberdade, de jornalismo literário, foram publicadas em revistas, e em um tipo especial de revista como "New Yorker", a "Esquire" dos anos 60, a "Rolling Stone". Não há uma tradição de publicação desses textos em jornais, com raras exceções. Em 2005, por exemplo, o maior jornal de Denver, no Colorado, dedicou várias páginas para uma matéria especial do seu redator de obituários, Jim Sheeler, sobre como os "marines" recebiam os seus mortos nos combates do Iraque. Ela foi uma das premiadas pela Associação dos Jornais Americanos.

Creio que uma das maneiras de se reagir à padronização excessiva seria abrir janelas para zonas de uma maior criatividade dentro dos jornais e revistas. E alguns temas precisam de mais espaço também, para se mostrarem efetivamente. Um grande crítico de jornais, A.J.Liebling, dizia que os perfis publicados em jornais pareciam desenhos de criança: sem perspectiva, sem proporções. Assim como não se pode imaginar a grandeza épica de uma Guernica, do Picasso, reduzida a uma tela de 50 X 60 cms, bons perfis e bom jornalismo literário, para expressarem toda a sua força, precisam de mais espaço. Os editores de jornais e revistas precisam se tornar conscientes deste fato. Os melhore leitores do jornal, aqueles que ajudarão a construir a reputação dos veículos, hão de apreciar, aqui e ali, matérias mais longas, desde que bem escritas e que versem sobre assuntos de real interesse.

GP - É fato que a função de repórter está (ou continua) em baixa na imprensa brasileira? Dizem que um repórter que quer ganhar melhor precisa largar da reportagem para virar editor e, se busca realização, precisa abandonar o emprego para tentar escrever um livro-reportagem (o que, quase sempre, significa ganhar ainda pior).

Na média, editores sempre ganharam mais do que os repórteres, em qualquer publicação. O cargo de editor acarreta um acumulo de responsabilidades que não pesam sobre os ombros dos repórteres. Há uma visão distorcida sobre o papel dos editores que é preciso corrigir. Uma publlicação só de repórteres seria impossível, ainda que não se faça grande jornalismo sem grandes repórteres. Gay Talese, Tom Wolfe, Norman Mailer, Lillian Ross, Truman Capote etc., só puderam fazer as reportagens que fizeram por que encontraram a cumplicidade e o estímulo de grandes editores como William Shawn, Harold Hayes, Clay Felter.

A primeira grande reportagem do Tom Wolfe para o "new journalism", se dependesse exclusivamente dele, nem sequer seria escrita: foi graças á cobrança dos editores da "Esquire" que ele enviou um "relatório" do que havia apurado sobre os fãs de carrões na Califórnia, que a matéria finalmente saiu. Eles acharam a linguagem do relatório inovadora e propuseram algumas modificações. Nascia ali uma estrela do novo jornalismo.

É mais bonito vender a noção romântica do repórter com um herói da liberdade cerceado por editores caretas, mas ela não corresponde à verdade. Sem Bill Shawn, John Hersey não teria escrito "Hiroshima". Shawn e Harold Ross, o publisher da "New Yorker", fizeram cerca de duzentas sugestões de mudanças no texto original de Hersey. No final, Ross ainda achou que ficou faltando algumas coisas...

Para fazer um tipo de jornalismo mais pessoal, o Gay Talese saiu do "New York Times". Até nos EUA é assim. Eu não acredito que o jornalismo mais pessoal tenha como a sua principal morada os jornais de interesse geral diários. É o mesmo que querer fazer documentários nos 20 minutos de tempo no ar que tem o noticiário diário da TV. Um bom documentário precisa de cerca de 50 minutos, uma hora, no mínimo, o dobro de tempo que têm os noticiários diários. Esse tipo de jornalismo vai precisar de horários especiais. Mas eu acho também, que de quando em quando, faria bem aos jornais e revistas dessem espaço para este tipo de jornalismo.

GP - Em entrevista a Gazeta do Povo, José Hamilton Ribeiro comentou que vários amigos deixaram dos empregos para investir em livros de grandes reportagens e a maioria se frustrou. Ou porque não conseguiu sobreviver sem uma fonte de renda ou porque se chocaram com a falta de interesse (à época) de editores e leitores por obras do gênero. Hoje, quais são as opções para um repórter com talento e texto de qualidade?

Hoje se edita muito mais títulos no Brasil do que se editava há 20 anos atrás. Mesmo assim, tirando uma duas ou três, existem poucas editoras realmente saudáveis economicamente no Brasil. Acho difícil que se consiga viver de livros reportagens no Brasil, com exceção de poucos autores ou de poucos livros que conseguem vender uma quantidade maior de exemplares. Nosso mercado editorial - livros, revistas, jornais - é pequeno. Temos poucos leitores e pouco investimento publicitário nesses veículos.

Quem abraçar a profissão de jornalismo não pode ser ingênuo com relação a essas questões. Tem de saber que vai levar uma vida difícil neste país, assim como levam os professores, os médicos de saúde pública, os poetas, os pintores... Esse é o nosso país e nós temos de lutar para melhorar essa situação, mas sem visões inocentes. Passei os últimos anos da minha vida profissional tentando ajudar a viabilizar novos veículos no Brasil, pois achei que esta era uma contribuição para mudar a atual situação de muita concentração de poder em alguns grupos. Isso não é bom para o país, não é bom para a democracia. Em parte, fazer jornalismo no Brasil é procurar abrir novas opções de trabalho.

GP - Se tivesse que indicar um – e apenas um – livro de jornalismo literário para um leitor que nunca ouviu falar do assunto, que título indicaria e por quê?

"Hiroshima", de John Hersey, que é o primeiro volume da coleção Jornalismo Literário e é considerado a melhor reportagem já feita.

Um dos consensos em torno do jornalismo literário diz que "a questão factual", ou "a questão da veracidade factual" é uma das mais complicadas relacionadas ao gênero e que jamais será completamente resolvida. Qual a sua opinião a respeito dela? O jornalismo literário tende mais para o jornalismo ou para a literatura?

Para responder a essa questão, que não pode ser tratada levianamente, eu precisaria escrever um livro, pois ela é complexa e exige a exposição de várias premissas. A questão do factual é tratada com muita superficialidade. Há uma visão redutora que acha que o jornalismo literário - ou a literatura de não-ficção, como bem definem os americanos - é apenas uma questão de texto. Não é. Ele envolve muito mais do que isso e, mais importante até do que o texto, é o trabalho de apuração. O jornalismo literário EXIGE um mergulho em profundidade no tema que está sendo abordado. Ele exige pesquisa, levantamento de um número amplo e inovador de fontes, ele exige que se gaste sola de sapato, e sobretudo, ele exige CONVIVÊNCIA com o tema, amadurecimento das reflexões sobre ele e o desenvolvimento de um PONTO-DE-VISTA.

O texto inovador será consequência de todo esse processo de trabalho. Capote, talvez o mais polêmico de todos os autores do "jornalismo literário", levou seis anos para escrever "A Sangue Frio". Quem conhecia a hístória dos dois assassinos melhor do que ele? Ninguém. A história é então narrada sob o ponto-de-vista que ele desenvolveu ao longo desse tempo todo de trabalho, apuração, entrevistas, convivência com as pessoas. 90% das reportagens supostamente "verdadeiras factualmente" não tem a riqueza do processo de apuração que tem o jornalismo literário.

Gostaria de lembrar também que a checagem de fatos no jornalismo literário - princilpamente em publicações como a "New Yorker" e a "Esquire" - são talvez até mais rigorosas do que as checagens que são feitas no dia-a-dia de um grande jornal. Gay Talese chegou a entrevistar novamente os seus personagens, a pedido do departamento de checagem da "Esquire". Os checadores da "New Yorker" foram atrás dos personagens citados por Truman Capote em "A Sangue Frio". Mesmo assim, é possível que tenha escapado informações incorretas. Isso é inerente ao processo de se fazer jornalismo - veja-se os erros aos borbotões que são feitos diariamente pelo jornalismo factual. O que não se pode é acusar levianamente, sem entender e conhecer realmente todo o processo de confeção do jornalismo literário. E entender também que o jornalismo com um "ponto-de-vista" é uma das modalidades do jornalismo - e, desde que esteja embasado em fatos e em apuração extensiva, pode ser grande jornalismo.

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